Emoções conjugadas

A lua despontou no céu ainda claro. Embalada pelo balanço da rede na varanda do quarto do hotel fazenda, fiquei observando ela ganhar intensidade de brilho à medida que o céu ia escurecendo gradativamente. Um espetáculo de contraste que se pode assistir a olho nu e de graça. Só é preciso erguer de leve a cabeça e elevar o olhar. Nada mais que isso.

Contemplar a lua, assim como as estrelas, sempre me traz paz, seja na cidade, na praia, na montanha, no campo...em qualquer lugar. Agora, confesso que a contemplação acompanhada do canto dos pássaros ao fundo ou dos grilos, mais ao cair da noite, é inspiração que transborda. Então, fiquei ali banhando-me daquela luz, absorvendo todos os sons ao redor, enquanto a brisa dançava suavemente com os galhos e folhas das árvores, trazendo com ela toda a energia emanada por ela que é tão somente a LUA e por elas que são meramente ESTRELAS.

Passado algum tempo, mesmo sem querer, entrei no quarto. Era chegada a hora de organizar as coisas e arrumar as malas para a longa viagem de volta para casa, que se daria na manhã seguinte. Não demorou muito e tudo já estava devidamente ajeitado. Ao terminar, meu estômago reclamou. Olhei na tela do celular para ver o horário e me dei conta de que já passava um pouco da hora do jantar. Não era à toa que estava roncando de fome.

Fui para a sede do hotel e, ainda em tempo, fui servida de um delicioso caldo de legumes e pão caseiro – ambos preparados no fogão a lenha, acompanhados de uma taça de vinho. No percurso de retorno ao quarto, andei lentamente e fui registrando cada detalhe na memória. Eu nem tinha ido embora e já estava sentindo falta daquele lugar. Eu sou assim...tenho dificuldade em me despedir do que me faz bem.

Já de volta ao quarto, preparei-me para deitar. Claro que para uma boa leitora que sou, não falta um livro. Então, dei início à leitura. Capítulo após capítulo o cansaço se abateu sobre mim e as pálpebras foram pesando cada vez mais. Então, me dei por vencida e fechei o livro. Rezei e tenho a leve impressão de que adormeci de imediato.

Na calada da madrugada, mais precisamente às três horas da manhã, sou abruptamente arrancada do sono. Sim, acordo assustada com um barulho estranho. Ainda zonza de sono, quando percebo que o ruído vem do banheiro, grito pelo Tango. Em princípio, acho que é ele aprontando alguma arte, mas não.

Na verdade, a porta do banheiro está fechada e o Tango já está acordado no chão ao lado da cama assustado com o meu grito, provavelmente. Ele pula na cama e se aconchega em mim, quentinho. O barulho persiste no banheiro, mas não tenho coragem de verificar o que é. Sem respirar direito, fico quietinha acariciando o Tango. Não sei direito se para tentar acalmá-lo ou se para me acalmar. Tanto faz.

Depois de um tempo, o barulho cessa, mas eu continuo imóvel. A coragem foi dar uma volta no universo e não parece voltar tão cedo. Assim, fico exatamente onde estou. Na dúvida, é melhor deixar como está, não é mesmo? Se o barulho parou, portanto não existe barulho.

Só que o sono também foi embora, talvez tenham saído de mãos dadas, ele e a coragem, juntos. E agora? Tenho de acordar muito cedo para pegar a estrada. Tô frita! Rolo pra lá e pra cá na cama e...nada de dormir. Aí, sabe-se lá como ou porque, começam a brotar memórias de momentos que me trouxeram alegria, emoção, magia e amor.

De repente, vejo-me na plateia do Teatro Imprensa, em São Paulo (acho que não está em funcionamento mais), assistindo ao espetáculo musical infanto-juvenil “O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá”, baseado no livro de Jorge Amado, com adaptação e direção de Vladimir Capella, cenografia e figurino de J. C. Serroni e realização do Centro Cultural do Grupo Silvio Santos, presidido por Cintia Abravanel. No elenco, Amanda Acosta (do Trem da Alegria – essa referência só serve para quem tem idade suficiente) e Fabio Cadôr.

É como se eu realmente estivesse mais uma vez testemunhando “a história que a Manhã ouviu do Vento e contou ao Tempo para ganhar a Rosa Azul”...e, então, eu suspiro ao relembrar a história do amor impossível entre um gato e uma andorinha, predador e presa por natureza, que vivem cercados pelos preconceitos dos demais animais que habitam o mesmo parque.

Também sou capaz de ouvir a canção principal do espetáculo, que é mais ou menos assim: ”O que será que em mim se deu, hein? Por que será que parece, então, que ao meu redor tanta coisa brotou? Que algo em mim explodiu, renasceu? Será que o amor aconteceu? (...) É como uma febre, um desejo ardente. É como um temporal lavando o mar, assim tão de repente. É como uma chama alastrando ao vento. É como um furacão varrendo o ar, assim num só momento”.

Ai...ai...é de enternecer qualquer coração. A mais bela e encantadora produção de teatro infanto-juvenil que já vi. Embora eu tenha assistido ao espetáculo cerca de 10 vezes, talvez, eu assistiria mais mil vezes como se fosse a primeira.

Outros momentos assim surgiram na mente e enquanto o sono não se apresentava, em meio a tantas cenas tocantes, meu coração se encheu de serenidade. O barulho no banheiro ficou em outro plano. O sono veio sem que eu notasse e me embalou.

E as emoções não param por aí, não. Depois que voltei ao sono do qual havia sido despertada, tive um sonho que não sei explicar em palavras, mas eu caminhava numa estrada de terra num corredor de árvores que formavam um arco e era como se Deus me recitasse uma prece de proteção. Acordei com o despertador do celular, às seis da manhã, ainda com a sensação boa e intraduzível do sonho. Em agradecimento, apenas sorri.

Quando levantei da cama, ocorreu-me que algo havia acontecido no banheiro e era hora de encarar o que quer que fosse. Respirei fundo e abri a porta devagar e aos poucos. Num primeiro momento, não identifiquei nada, mas ao olhar sobre um móvel aparador ao lado da pia, tive a confirmação de que a barulheira não havia sido fruto da minha imaginação fértil. Lá estava a causa de todo aquele alvoroço: uma mariposa gigante. Acho que de tanto se debater tentando sair por onde entrou, morreu. Aí, veio a culpa. Se eu tivesse aberto a porta naquela hora...mas não sou tão corajosa assim. Desculpe-me pela covardia, mariposa.

É...ao que parece, tudo foi uma conjunção entre a paisagem incrível que vivi intensamente nos últimos dias, somada às lembranças relacionadas que me fizeram tão bem quanto. O sonho foi só um lembrete de Deus de que Ele está sempre na condução de tudo e que não seria diferente na viagem de volta para casa. E assim foi...eu e Tango já estamos no recanto do nosso lar em completa segurança.


Por Patricia Limeres – em 19/05/2016.

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