Sem querer cuspir pra cima

Senta que lá vem história. É que finalmente consegui reservar algum tempo para desabafos e confissões sobre pensamentos, sentimentos, preferências e escolhas que talvez sejam considerados fora dos padrões do “politicamente correto”. Enquanto escrevo, a primeira coisa que me vem à cabeça é que já não era sem tempo. Isso posto, já aviso que não vou me economizar.

Não é de hoje que tenho a intenção de abordar tais questões, mas optei por adiar. Não por nada, não. Quer dizer, minto. Em verdade, protelei porque não quero ferir suscetibilidades, ser mal interpretada, nem tampouco gerar polêmica. Tenho evitado a fadiga, sabe?

Mesmo com esse cuidado, já me flagrei discutindo a respeito em mesa de bar. Conversa de bêbada? Talvez sim, já que é incontestável o papel de lubrificante social que tem o álcool: dá coragem aos homens...relaxa as mulheres. Há quem diga até que não confia em pessoas que não ingerem nenhuma gota de bebida alcoólica. Pois eu digo que está difícil confiar em qualquer pessoa, nas duas categorias.

Parênteses à parte, a questão em pauta refere-se à minha predileção em manter-me solteira e sem filhos. Quando digo solteira, não estou me referindo ao ato de abrir mão das convenções religiosas ou cartoriais formais de matrimônio, para juntar os famosos trapos. Simplesmente não tenho intenção ou interesse de casar, juntar, morar junto ou qualquer outro nome que se possa dar para o mesmo fim. E fim, no meu restrito entendimento, cabe perfeitamente nesse contexto. Sim, porque penso que o que estraga o “casamento” é o “casamento” propriamente dito.

Já sei, já sei. Muitos vão se indignar com essa colocação. Vão dizer também que não é bem assim; que o casamento não é, de todo, uma instituição falida; que existem exceções e casais que vivem um relacionamento feliz, não perfeito. Até porque, aos desavisados ou iludidos de plantão, cabe um lembrete: perfeição não existe nessa esfera em que vivemos - a terrestre. Também dirão que eu digo isso porque ainda não encontrei “a pessoa” que me fará mudar de ideia. E sempre terá alguém para lançar o seguinte questionamento na roda: mas se todo mundo pensar assim, o que será do futuro, da família, da sociedade, do mundo?

E eu digo: e quem disse que eu tenho a pretensão de que todos pensem como eu? É apenas um ponto de vista particular, construído a partir das minhas experiências de vida e da observação de outras vidas que me cercam, próximas ou nem tanto. Se sempre pensei assim? Claro que não. Já houve um tempo em que eu idealizei isso para minha vida, mas isso foi há muito tempo.

Não vou e nem quero entrar em juízo de valor. Mesmo porque, se eu for enveredar por esse campo, serei quase que obrigada a dizer que, com ou sem a configuração de “casamentos”, esse referido futuro já está comprometido...e não é de hoje. Não são cerimônias, papeis, alianças e tetos comuns que garantem a manifestação de amor, cuidado, respeito, cumplicidade, fidelidade, entre outros. Sabemos disso. Enquanto a sociedade espera, cobra e até exige que os rituais se cumpram como profecias, os valores essenciais que poderiam contribuir (sem garantias) estão em risco. Ou melhor, esquecidos, perdidos em algum lugar que ninguém sabe e ninguém viu.

Já que me é permitido um posicionamento, o meu é esse. Creio em relacionamentos saudáveis, maduros, sólidos e verdadeiros em que cada um tenha e, sobretudo, preserve o seu espaço, a sua privacidade, o seu lugar, o seu tempo. Relacionamentos cujos sentimentos se renovam a cada curta despedida e reencontro. Se, com isso, saio em defesa do individualismo? Em absoluto, não. No entanto, considero imprescindível a individualidade. Não confundamos uma com a outra. Gosto, sim, de namorar, andar de mãos dadas, assistir um filme acompanhada, dormir de conchinha, acordar com a pessoa amada ao lado, compartilhar momentos - bons e ruins, mas isso não significa que eu precise dormir e acordar todos os dias da minha vida com essa pessoa. Não trata-se de infidelidade, que fique claro. Apenas convivo muito bem comigo mesma, obrigada. E não estou dizendo que quem “casa” não convive bem consigo, por favor, hein!? Estou falando de mim e por mim.

Parece mais simples ter esse raciocínio quando também não se pretende ter filhos, que é justamente o meu caso. Quando há crianças envolvidas a lógica é outra, embora a realidade nos tempos modernos também nos apresente infinitos casos de filhos criados com pais separados, no sentido literal, sem grandes traumas ou crises. Aliás, eu sou um deles e cá estou. Essa questão é, de fato, totalmente contemporânea. E nem vou entrar no mérito de crianças gerando crianças, sem saber ao certo quem é o pai. Cenário cada vez mais comum, inclusive.

Sobre a maternidade...ser ou não ser mãe? A vida dirá. Como seguidora da Doutrina Espírita, sei que fiz escolhas anteriores e na impossibilidade de saber quais foram, não posso assegurar nada. No entanto, se nos é concedido o livre arbítrio e eu creio que sim, então, eu já tenho a minha escolha: não ser mãe. As razões são muitas e talvez a mais forte delas seja a covardia, no sentido amplo da palavra. Para esse “mal”, parece que até já há solução. Segundo a cultura popular, a própria maternidade encarrega-se de preparar, dar força. Será mesmo?

A verdade é que tenho a forte sensação de que não possuo o instinto maternal nato. É sério. Não que eu não goste de crianças. Ao contrário, as adoro. Porém, também adoro saber que posso devolvê-las para os seus pais depois da bagunça, da arte, da brincadeira, do cansaço. Pronto, falei! Que me julguem os que não concordam, mas filhos não são como brinquedos, que podemos devolver pra fábrica ou deixar de escanteio depois que enjoamos de brincar. Ter filho(s) é coisa séria. Coisa de gente grande.

Tai, mais um aspecto em que pesa o conhecido e tão mencionado poder de transformação causado pela maternidade. É comum ouvirmos que quando se é mãe esse sentimento muda, que tudo muda. Confesso que tenho dúvidas. Se fosse a maternidade tão mágica assim, muitos problemas da humanidade estariam sanados. E digo mais! Não existiriam tantos casos noticiados diariamente nos jornais de mães que cometem atrocidades com seus recém-nascidos. Atos de desespero?

Tenho de reconhecer que não tenho dúvidas sobre o quão incrível e, portanto, sem possível tradução deve ser sentir uma vida se desenvolver dentro da gente e depois trazer à luz essa nova vida. Não é preciso sentir no ventre para saber que é coisa divina. É benção inquestionável, sempre.

Ainda assim, de todo o exposto, fica a quase certeza de que a maternidade realmente não é pra mim. Não sinto que eu tenha saco e/ou estrutura emocional para lidar com choros intermináveis durante as madrugadas, birras, crises de adolescência, rebeldia com ou sem causa, preocupações com a violência, sexo, drogas e rock and roll, entre outros. Antes que se diga qualquer coisa, sinceramente não acho que esse despreparo esteja relacionado à tal maturidade, que pra mim já chegou faz tempo. Ah, e que não me venham dizer que tudo depende da criação que se dá. Porque educar e transmitir valores em casa não garante nada. Não há garantias. Tanto para isso, como para coisa alguma. Isso é bem verdade.

Não é simples escolha ou decisão. Já pensei e repensei sob todos os ângulos e, cá entre nós, nem é coisa para racionalizar, mas essa sou eu: sempre pesando ação, reação e consequência. Esse assunto é todo conflito, dilema e contradição. Sim, porque se meus pais pensassem dessa forma, você não estaria lendo esse texto, porque eu não teria escrito. Eu não estaria aqui, viva. Os agradeço muito por isso, mas se eu não estivesse aqui, tudo bem também. Porque tudo tem um propósito.

Perdi as contas das vezes em que debrucei-me sobre a real serventia que terá a minha breve passagem pela Terra se eu não oferecer para outra pessoa (espírito) a mesma oportunidade que tive. Ao mesmo tempo, pensar a importância da minha existência atual, única e diretamente atrelada à continuidade da espécie humana, é o mesmo que me restringir ao papel de mera reprodutora. Tenho pra mim que o objetivo maior é a evolução espiritual. Para tal, não preciso obrigatoriamente ser mãe. Além do mais, posso ficar com a consciência tranquila com relação à preservação da espécie. A minha escolha não terá impacto quase nenhum nesse processo, dada a certeza de que tem um bocado de gente cuidando disso por aí e, diga-se de passagem, em demasia.

Certa vez, perguntaram-me: mas você vai envelhecer sem testemunhas? Quem vai cuidar de você na velhice, se não os filhos? Esses questionamentos ainda ecoam na minha mente e são os únicos que ainda me causam um certo balancê. Pensando por essa perspectiva, soa como algo bem triste mesmo. No entanto, é inevitável retornar às garantias. Lembra-se? Elas não existem. Não é à toa que há um sem número de idosos abandonados pelos próprios filhos em asilos, albergues e até nas ruas. Sendo assim...

Como mencionei desde as primeiras linhas, tudo o que escrevi já reverberava dentro de mim, mas a motivação para escrever veio da minha participação em um chá de fraldas de uma grande e amada amiga. Desde que a conheci e isso já tem bastante tempo, ela sonhava com a maternidade. Na porta do quarto de hóspedes do apartamento dela já tinha uma placa com o nome da filha que ela teria um dia: Vitória. Vale dizer que ela sequer tinha namorado na época. Dizem que o pensamento tem força, pois o dela teve mesmo. Ela está grávida e adivinhe...da Vitória.

É evidente que eu não poderia deixar de ir ao chá. Primeiro, para vê-la gravidinha, e segundo, para testemunhar e dividir esse momento tão almejado e alimentado. Foi emocionante vê-la em sua plenitude, mas tenho de admitir que compareci por ela(s). Não suporto chá de bebê, chá de cozinha ou similares. Acho um pé no saco (me perdoe a expressão). Fiquei o tempo quase inteiro me perguntando: o que eu estou fazendo aqui ainda? Não adianta. Não me identifico. Não me sinto à vontade. Não me interesso por papos sobre mamadeira, chupeta, amamentação, fralda, assadura, choro, cólicas. Só em pensar, já me dá um negócio. Amiga (irmã de coração), se estiver lendo, não me leve a mal. Você está ainda mais fabulosa. Estou muito feliz por você e ansiosa pela chegada da Vitória.

Aliás, qualquer pessoa que ler esse conteúdo pode tomar minhas colocações por negativismo, insensibilidade ou egoísmo. Talvez seja mesmo um bocado de cada um ou apenas uma boa dose de racionalidade. Pode ser.

Da minha parte, posso concluir que do futuro eu ainda não tenho nada. Hoje, “casar” e ter filho(s) não são meus planos de vida, repito. Entretanto, tenho convicção de que nada é permanente. Amanhã, pode ser que eu venha sentir necessidade de tudo isso, ou parte disso. Quem sabe? Se acontecer, que seja ainda em tempo. Afinal, o relógio biológico já entrou na contagem regressiva. De qualquer forma, não serei eu a cuspir pra cima, não é mesmo? Já sei o que normalmente acontece. Culpa da gravidade, claro!

Por Patricia Limeres – em 18 de outubro de 2012.



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