Encaixes

Num dia iluminado, tive a (in)feliz ideia de montar um quebra-cabeça de 1.500 peças. Pode falar a verdade...te parece pouco, não é mesmo? Pois é. Pensei assim quando revolvi montá-lo. Para facilitar, escolhi justamente uma imagem em preto e branco. Uma escolha bem típica de alguém como eu, que opta sempre pelo caminho mais difícil. Dito assim, fica evidente que não demorei quase nada para perceber que estava enganada e que a tarefa seria árdua e longa. Tarde demais para constatar.

O primeiro passo da saga foi separar os cantos e montar a borda. O que normalmente é a parte mais simples. Eu disse: normalmente. O que, a rigor, seria o mais fácil já foi difícil e, a partir daí, bateu aquele leve desespero.

O segundo passo foi separar o joio do trigo. O critério inicial foi separar por tons. No começo, funcionou e deu certa vazão à montagem. Depois de determinado ponto, essa separação já não era suficiente e não estava ajudando muito. Então, adotei um novo critério. Dessa vez, por formato.

Em meio a esse processo todo, os dias, semanas e meses foram se passando e a imagem foi tomando forma, gradativamente (para não dizer lentamente). O que, em princípio, tinha tudo para ter o efeito de terapia, tornou-se um verdadeiro exercício de paciência. Havia dias em que eu ficava horas a garimpar peças e conseguia montar míseras quatro. Quando muito, cinco. Era frustrante. Já em outras ocasiões, conseguia avançar encaixando mais de 40 peças. Nesses momentos raros, recobrava o ânimo. No entanto, quando observava o feito, não via nenhuma mudança significativa no todo. Por várias vezes, pensei em desmontar tudo e desistir, mas não. Persisti. Afinal, sou do tipo que enverga, mas não quebra.

Fiquei debruçada sobre o quebra-cabeça e suas 1.500 pecinhas, divididas por critérios diferentes ao longo do período, por cerca de oito meses. Um tempo considerável. À medida que ia testando as peças, repetidas vezes, e encaixando-as (ou não), foi inevitável pensar em pessoas como peças de um quebra-cabeça de “aparente” impossível montagem. Sei que a analogia parece clichê, mas a análise é interessante assim mesmo. Sim, porque os relacionamentos humanos se assemelham ao quebra-cuca. No início do texto, disse que num dia iluminado eu tive a (in)feliz ideia de montá-lo. Eu explico: infeliz porque realmente deu um baita trabalho e me quebrou, de fato, a cuca; mas sobretudo, feliz, porque além de conseguir concluir a montagem e o desafio, ainda me fez pensar sobre tantas coisas. Entre elas, a teimosia.

As pessoas, assim como as pecinhas do meu quebra-cabeça preto e branco, são diferentes e únicas e se encaixam perfeitamente com determinadas pessoas, enquanto não se encaixam de jeito nenhum com outras. No quebra-cabeça, existem peças que nos enganam até o final, parecem se encaixar plenamente. A gente até percebe que tem uma diferença, mas é imperceptível ao ponto de acharmos que trata-se apenas de impressão. Só que existe uma outra peça para aquele lugar. É A PEÇA! Aquela que se molda perfeitamente e agrega mais detalhes à imagem.

Na vida acontece exatamente a mesma coisa. São inúmeras as vezes em que insistimos em encaixar alguém em nossas vidas, embora o molde não seja exato. Não raro, nem mesmo aproximado. O fato é que tanto no quebra-cabeça, quanto nas relações, forçar o encaixe não adianta, só desgasta. Porque, no final, a gente percebe que tem alguma coisa desconexa. Algo fora de lugar. Uma peça, digo, pessoa ocupando o lugar de outra. E chega a hora em que fica tão nítido que já não dá para negar o encaixe mal feito.

O fato é que cedo ou tarde, num dia ou n´outro, entre uma peça e outra...e em meio a tantas, encontramos aquela que corresponde ao seu devido lugar, seja na imagem, seja em nossa vida. E, enquanto isso não ocorre, vamos testando, equivocando-nos vez ou outra, desanimando, reanimando. A cada possível encaixe, um fôlego. Assim, uma peça após a outra, forma-se a imagem completa, linda, intacta. Da mesma forma, na vida, uma pessoa de cada vez, e consolida-se uma rede de relações. Assim funciona no jogo de quebra-cabeça, assim funciona na vida.

Então, valorizemos os encaixes naturais. Se não encaixa aqui, certamente vai encaixar ali. Cada peça e pessoa no lugar que lhe cabe.

Por Patricia Limeres – em 22 de janeiro de 2013.

Comentários

Postagens mais visitadas