Da ausência do verbo sentir

A cada dia me convenço mais de que sou de outro tempo. É bem provável que tenha desembarcado tardiamente em virtude de alguma pane. Só pode!

Não que eu não seja favorável à tecnologia. Até gosto e faço uso frequente dela. Que outro jeito? A questão é que fui apresentada antes à máquina de escrever. Meu encantamento por aquele objeto capaz de registrar letras, palavras e sentenças inteiras foi tanto, que não me contentei em aprender a manuseá-lo para uso próprio. Fiz dele meu instrumento de trabalho e ensinei a arte de datilografar para jovens e adultos.

Foi com ela que aprendi a construir pensamentos, antes mesmo de acionar as teclas. Sim, porque depois de acionadas não tinha como voltar. Tecla tocada, papel marcado. Certo ou errado, coerente ou inadequado, estava lá.

Também tive a sorte de pegar a fase em que bilhetes e cartinhas de amor, escritos à mão, ainda eram comuns. Creio que éramos menos ansiosos naquela época. Havia uma noção mínima do tempo das coisas. Escrever uma carta requer tempo, entre pensar, escrever o conteúdo e fazer chegar ao seu destino. Assim, o tempo da espera era melhor administrado.

Hoje, quando muito, as pessoas enviam uma mensagem econômica com abreviadas palavras, via celular. O maior desafio envolvido é traduzir a mensagem. Sobre o tempo, atualmente, esperar cinco minutos por uma resposta já é incômodo.

Por tais razões, adoro quando me são apresentadas histórias, reais ou fictícias, permeadas por cartas. Dia desses, comentando com amigas sobre esse gosto particular, uma história recente veio à tona. Com o relato, minha curiosidade foi aguçada. Dias mais tarde, tive acesso às cartas e aos bilhetes escritos por um ex-namorado de uma delas.

Fiquei sensibilizada, já que é mais comum que as mulheres escrevam e não os homens. Considerei lindo, além de realmente raro. Uma pena que a relação tenha sido interrompida pelos truques da vida e caprichos dos corações humanos.

Suspeita que sou, se pudesse, incentivaria a escrita, mesmo nos dias atuais, de um número ilimitado de bilhetes, cartas e cartões. Porém, antes, vale lembrar que mais importante do que escrever, seja no papel, na tela do computador ou celular, é falar abertamente sobre os nossos sentimentos.

E que seja aquela fala que se traduz em verbo e ato. Porque assim, não importa que um dia os sentimentos registrados se transformem e as relações findem. Se houve transparência e verdade, foi legítimo em seu tempo e, portanto, digno de ser lembrado.

Por Patricia Limeres – em 19 de maio de 2013 (editado em 21 de março de 2017)

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