Sonho inventado

Na minha infância, intrigava-me com a falta de controle que temos em relação aos nossos sonhos. Eu sempre relacionava o sonho que sonhamos enquanto dormimos aos sonhos referentes aos objetivos, ideais, desejos...

Assim, era quase sempre frustrada a expectativa de ter o “sonho dos sonhos” durante a noite. Inclusive, era bem raro eu conseguir lembrar os sonhos que tinha enquanto dormia e, quando lembrava, eram quase sempre decepcionantes. Fosse pelo fato de não fazerem o menor sentido para mim; ou por fazerem sentido, mas não terem o menor cabimento; ou por serem repugnantes; e até por me causarem medo.

O fato é que eu não podia me contentar com essa falta de controle. Justo eu, que desde sempre sou A CONTROLADORA. Então, diante desse desconforto, certa noite, propus às minhas primas Renata e Vanessa (as únicas pessoas que não me chamariam de maluca) uma nova brincadeira.

Aconteceu nos momentos que antecedem o sono. A cena puxada da memória agora me faz dar risada sozinha. Eu costumava passar quase todos os finais de semana na casa dos meus tios, em Cubatão, por causa das minhas primas que têm a mesma faixa etária que eu. O quarto delas era bem grande (ou nós é quem éramos pequenas...não sei bem). Cada qual tinha a sua cama. Só que quando eu dormia lá, nós armávamos o sofá cama e dormíamos as três juntas. A intenção era aproveitar até os últimos minutos do dia para conversar. Coitada da minha tia, que muitas vezes vinha até o quarto delas na calada da noite e dizia:
- Meninas, já é tarde! Vocês não vão dormir, não?

Foi em uma dessas intermináveis noites que eu lancei a ideia de sonharmos acordadas. No início, elas me olharam com a testa franzida. Meio sem entendimento da proposta. Mas aí eu assumi a dianteira e dei o exemplo, criando o meu sonho em tempo real. A graça não era apenas a de projetar os sonhos desejados, aqueles que não conseguimos sonhar com os olhos fechados de jeito nenhum, o bacana mesmo era poder compartilhar. Era como contar uma história. Sem dizer que era divertidíssimo ver e ouvir as reações de surpresa, indignação ou contentamento delas, à medida que o sonho ia adquirindo forma e rumos diferentes. Era como vivenciá-lo de verdade.

Nem preciso dizer que elas logo compraram a ideia e quase todas as noites em que eu dormia lá, nós inventávamos os nossos sonhos e os dividíamos umas com as outras. Houve um estágio em que uma interferia no sonho da outra, acrescentando um detalhe aqui ou ali. Por vezes, adormecíamos antes mesmo de todas concluírem o seu sonho.

Seria bom se, mesmo depois de adultas, nós pudéssemos nos reunir de quando em quando, para inventarmos novos sonhos, aqueles que nem a maturidade nos faz conseguir sonhar de olhos fechados. Que saudades daquele tempo em que tudo me parecia possível, até mesmo sonho coletivo inventado.

Por Patricia Limeres – em 02 de agosto de 2010.

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